ORIGEM DO MOVIMENTO
HIP HOP NO
BRASIL
O movimento hip hop
começou sua história no Brasil
de maneira discreta e quase
imperceptível para
muitos, e era encarado muito mais como uma moda
passageira do que com seriedade. Com o decorrer do
tempo, começam a
surgir pela cidade de São Paulo,
os primeiros grafites ligados
efetivamente a uma temática hip hop, e principalmente começa a se
ouvir pelos “cantos” da cidade um jeito diferente de se cantar.
Surge no país a musica rap e o movimento hip hop se torna realidade
no país, mesmo que de maneira totalmente “underground”,
marginal.
Os primeiros anos
do movimento são difíceis, pois seus adeptos são perseguidos pela
polícia, ou são desacreditados e ridicularizados nos próprios
“bailes blacks”. Esta situação começa a melhorar quando em
1983, Michael Jackson através de seus clipes, em especial das
musicas “Thriller”, “Billie Jean” e “Beat It” e da
abertura da novela das 20:00h da rede Globo de Televisão “Partido
Alto” composta por dançarinos de break, acabam por revelar a
“break dance” como uma forma de dança moderna, uma forma de arte
“respeitável”.
A juventude das
periferias, em especial a negra paulistana, passam a se identificar
com o ritmo daquela música diferente, falada de forma muito rápida,
e até por este motivo que os primeiros rappers são chamados de
“tagarelas”, descontraída, sem conteúdo crítico ou de protesto
a época, executada apenas para embalar as denominadas rodas de
break. Mas, mesmo assim, o hip hop somente em 1988/1989, com o
lançamento dos primeiros discos de rap no país “Kaskatas – A
ousadia do rap made in Brazil”, em 1988, e a coletânea “HIP –
HOP. Cultura de rua. O som das ruas” em 1989, que lançou os
expoentes do rap nacional, a dupla Thaide & DJ Hum, com as
músicas “Corpo Fechado” e “Homens da Lei” consideradas as
pioneiras do chamado rap “consciente” e de “atitude” (Zeni,
2004) no país, que o movimento começa a conquistar o seu espaço no
Brasil.
Este segmento
social de jovens urbanos periféricos passa a constituir o movimento
hip hop como o seu meio de expressar suas agruras, suas
reivindicações, suas denúncias, geradas em seu universo social
cotidiano onde a qualidade de vida, onde os aparelhos de serviços
básicos do Estado não existem ou são extremamente precários. O
hip hop passa a atuar nas áreas centrais como forma de demonstrar
que também fazem parte da cidade, também a formam e a caracterizam,
se negando a aceitarem a “não cidade”, o “não lugar” que
historicamente ocupam na espacialidade urbana dos municípios,
territórios estes que se originam de “um modelo de urbanização
sem urbanidade que destinou para os pobres uma não-cidade,
longínqua, desequipada como espaço e como lugar.” Estes jovens
passam a se fazerem ouvir, a se fazerem notar quando passam a
divulgar através do hip hop esta precariedade social a que estavam
relegados e ao denunciarem os processos de discriminação racial e
violência policial a que cotidianamente eram submetidos.
Esse fenômeno
inicialmente restrito, se espalha pelo Brasil de forma rápida e
consistente por Santo André, São Bernardo do Campo, Campinas,
Brasília, Porto Alegre, Recife, Belo Horizonte que se destacam neste
processo de expansão do movimento hip hop pelo país. O hip hop se
torna um dos principais porta voz das periferias brasileiras, se
tornando um novo exercício de pratica política, de formação
cidadã, surgindo nas periferias, locais de reunião dos integrantes
do movimento que passam cotidianamente a exercer funções de
integração social, de novos laços de sociabilidade nas áreas
periféricas das cidades.
É importante
ressaltar que esta atuação política do movimento hip hop ocorre
num período histórico caracterizado pelo refluxo dos movimentos
sociais urbanos. Enquanto os demais tipos de movimentos sociais
urbanos, tanto reivindicatórios quanto pluri classistas, se
encontravam inseridos em um refluxo histórico, procurando novas
formas de exercerem sua ação política, o movimento hip hop aumenta
sua visibilidade e conseqüentemente sua ação
política-reivindicatória nas áreas urbanas das médias e grandes
cidades.
Em meados dos
anos 1990, apesar do hip hop já haver se consolidado, em especial na
cidade de São Paulo, enquanto movimento social e cultural juvenil
com o lançamento do 4º álbum do grupo de rap paulistano Racionais
MC’s, o CD “Sobrevivendo no Inferno”, que o hip hop consegue
seu “status” de maioridade e passa a ser interpretado pelos
setores formais da sociedade como um movimento social e cultural que
embora de origem norte americana, foi com o decorrer dos anos
adaptada, sendo transformada de acordo com as necessidades, das
demandas das populações periféricas brasileiras, em especial das
populações afros-descendentes destas comunidades.
Uma nova etapa
começa a se consolidar para o movimento hip hop, o de agente
político transformador da realidade urbana das periferias e das
relações históricas de poder das cidades. Este fato passa a
ocorrer, pois o próprio processo de segregação a que foram
historicamente submetidos às camadas mais populares de nossas
cidades, acaba por produzir novos espaços públicos de exercício de
cidadania, de exercício político, fora dos padrões formais
usualmente aceitos, neste caso novos territórios urbanos de
caracterização negra e juvenil.
Com a obtenção
de reconhecimento de público e crítica pelo sucesso dos Racionais
MC’s, toda uma geração do hip hop nacional, com destaque para Gog
e Câmbio Negro (Distrito Federal); R Z O e Consciência Humana (São
Paulo capital); Sistema Negro e Visão de Rua (Campinas); Faces do
Subúrbio (Recife) entre tantos, passa a evidenciar uma postura mais
agressiva do movimento, em especial da musica rap que se torna cada
vez mais “pesada”, cada vez mais soturna, com uma linguagem de
gírias típica da população jovem das periferias, quase em forma
de código. A gíria utilizada pelos integrantes do movimento tem a
função de agir como elemento de identificação e de congregação
social em meio aos demais grupos (sujeitos) sociais constituintes
da(s) Pólis, cada qual com sua linguagem específica, possibilitando
um processo de relações e de reconhecimento (identificação)
social dos seus sujeitos constituintes.
Este período do
movimento é caracterizado pela consolidação deste como uma nova
forma de movimento negro juvenil, com larga inserção nas periferias
brasileiras, onde os movimentos negros tradicionais, apesar de seu
valor histórico e político, nunca conseguiram uma grande inserção.
É através do hip hop que um vasto contingente populacional, jovens
da periferia, em especial os afros-descendentes, passam a exercer a
busca por seus direitos cidadãos. O discurso e a prática do
movimento é desenvolvido de forma que acaba por transformá-lo, em
especial o rap, em um (re)construtor de identidades ao realizar em
espaços públicos urbanos, formais ou não, a discussão sistemática
da participação da população negra no processo histórico da
formação do Brasil enquanto país e contrapor-se assim ao padrão
de exclusão racial e social a que se encontram inseridos e que se
reflete no processo de ocupação urbana deste grupo
étnico-racial
social nas cidades brasileiras em geral.